Quais são os fatores que aumentam o risco de transmissão sexual do HIV?
Diversos fatores podem aumentar ou diminuir o risco de transmissão sexual do HIV. Dentre eles estão:
- carga viral (a quantidade de HIV presente no sangue e fluidos corporais): é um dos fatores mais importantes;
- danos e inflamação dos tecidos ou membranas mucosas;
- danos ou traumas nas membranas genital, retal ou oral mucosa de uma pessoa HIV-negativa facilitam a entrada do HIV em seu corpo;
- a inflamação pode aumentar a quantidade de células imunes na membrana mucosa. O HIV pode infectar essas células e usá-las para fazer cópias adicionais de si mesma. Tanto danos quanto inflamações podem ser causados por infecções sexualmente transmissíveis (IST) e atrito durante a prática sexual;
- prática sexual pode interferir no risco de transmissão 6.
- Sexo anal receptivo: é o tipo de prática sexual mais arriscada para obter ou transmitir HIV, sendo que o sexo anal receptivo (onde uma pessoa HIV-negativa recebe um pênis em seu ânus) carrega o maior risco de transmissão do HIV. Alguns estudos sugerem que o risco pode ser 10 a 20 vezes maior do que o do sexo vaginal ou sexo anal insertivo (onde uma pessoa HIV-negativa insere seu pênis em um ânus). Isso ocorre em parte porque a camada celular epitelial que reveste o reto tem apenas uma camada de espessura, tornando-o mais suscetível a feridas e inflamações, o que pode facilitar a transmissão do HIV. Em contraste, as camadas de células epiteliais na vagina e no pênis são várias camadas de espessura 7.
- Sexo anal insertivo: tipo de sexo como o anterior, em que o pênis penetra o ânus, e é menos arriscado para quem penetra do que para quem é penetrado, nesse caso. Através da penetração ativa no ânus a camada epitelial que ali reveste o trato retal é removida momentaneamente enquanto em relação facilitando a troca de fluídos locais e assim, facilitando a transmissão do HIV, porém nesse caso a pessoa que está como ativo ou penetradora da relação não tem seu epitélio retal removido, assim estima-se que possui menos chance de entrar em contato com os fluídos do parceiro 7.
- Sexo vaginal: Tanto o homem quanto a mulher podem adquirir o HIV pelo sexo vaginal. O sexo vaginal receptivo, ou seja, quando há penetração de um pênis na vagina é aproximadamente duas vezes mais arriscado do que o sexo vaginal insertivo que acontece com quem penetra o pênis em uma vagina. Isso ocorre em parte porque a vagina e o colo do útero têm uma superfície maior do que a uretra e o prepúcio do pênis, e os fluidos sexuais permanecem em contato com a vagina por mais tempo, proporcionando mais oportunidade para o HIV atravessar a membrana mucosa no parceiro receptivo. 7
A maioria das mulheres adquirem o HIV pelo sexo vaginal através das membranas mucosas que revestem a vagina e o colo do útero. Os homens também podem adquirir o HIV durante o sexo vaginal por meio da abertura na ponta do pênis (ou uretra), o prepúcio, ou pequenos cortes, arranhões ou feridas abertas em qualquer lugar do pênis.
A transmissão sexual por sexo vaginal mulher para mulher são considerados raros. Os fluidos vaginais e sangue menstrual podem conter o HIV e esses fluidos se alcançar a membrana mucosa da mulher (pela vagina ou boca) pode potencialmente levar à infecção pelo HIV.
- Sexo oral: A prática de sexo oral envolve colocar a boca no pênis, vagina ou ânus. O sexo oral é conhecido por envolver uma possibilidade muito menor de transmissão do HIV do que a relação vaginal ou anal. A transmissão do HIV pode acontecer por meio do contato com fluidos como sêmen, fluido vaginal ou retal que atingem membranas mucosas da boca e garganta por meio de feridas ou cortes na boca 7.
O risco estimado para a transmissão do HIV pode variar e ser medido a depender do tipo de exposição sexual. As práticas sexuais que têm maior risco de transmissão do HIV são sexo anal e sexo vaginal, nessa ordem.
Tabela 1. Valores estimados para a relação entre tipo de prática sexual e risco de transmissão do HIV
Tipo de Exposição |
Risco a cada 10000 exposições |
Relação Anal Receptiva |
138 |
Relação Anal Insertiva |
11 |
Relação Penis-Vaginal Receptiva |
8 |
Relação Penis-Vaginal Insertiva |
4 |
Relação Oral Receptiva |
próximo a 0* |
Relação Oral Insertiva |
próximo a 0* |
Fonte: Patel P, Borkowf CB, Brooks JT, Lasry A, Lansky A, Mermin J. Estimating per-act HIV transmission risk: a systematic review. AIDS. 2014 Jun 19;28(10):1509-19. doi: 10.1097/QAD.0000000000000298. PMID: 24809629.
* O risco é considerado baixo em relação às outras exposições sexuais, mas não é zero. O binômio exato de Clopper-Pearson 95% ICs são baseados na observação de nenhum evento em 8.965 atos sexuais orais receptivos; o tamanho da amostra não era grande o suficiente para gerar uma estimativa pontual mais precisa.
A prática de sexo anal receptivo carrega o maior risco de transmissão do HIV de acordo com a Tabela 1 intitulada “Valores estimados para a relação entre tipo de prática sexual e risco de transmissão do HIV”.
- Para o sexo anal encontra – se a cada 10.000 relações sexuais com exposição. 8
Um risco de se infectar em 138 delas para quem é penetrado;
Um risco de se infectar em 11 delas para quem penetra;
- No caso do sexo envolvendo a vagina a cada 10.000 relações sexuais com exposição. 8
Um de risco de se infectar em 8 delas para quem é penetrado;
Um risco de se infectar em 4 delas para quem penetra;
- Carga Viral
A carga viral significa a quantidade de vírus do HIV existente no corpo. Quando avaliamos a carga viral, significa que estamos medindo a quantidade de vírus no sangue. O ideal é que a carga viral plasmática do HIV esteja em uma quantidade “indetectável”, ou seja, abaixo de 40 cópias/mm³. A carga viral é um fator importante para a transmissão do HIV pois quanto mais vírus estiver circulando no sangue, maior a chance de transmiti-lo durante o sexo. Estudos mostram que o HIV não é transmitido durante a atividade sexual quando a pessoa que vive com o vírus está regularmente em uso de medicações antirretrovirais e com carga viral indetectável por no mínimo seis meses 9.
Por isso é tão importante tomar as medicações do HIV todos os dias e manter a carga viral indetectável!
- Presença de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST):
A presença de algumas IST (por exemplo a sífilis, gonorreia, clamídia e outras) tem sido associada a uma maior chance de transmissão do HIV durante a atividade sexual. Principalmente aquelas que causam lesões genitais (considere aqui lesões como feridas, bolhas, pústulas, etc). Isso porque a presença dessas IST, quando não tratadas, causam inflamações nas células do pênis/vagina/ânus que favorecem a passagem do HIV por ali 9, 10 .
Por isso é importante fazer o teste das outras IST frequentemente. Pois, quanto mais cedo for identificado a infecção, mais cedo inicia-se o tratamento e consequentemente diminui a chance de outros agravos.
-
Uso de álcool e drogas:
Pessoas que fazem uso de álcool ou drogas podem ter maior risco de contrair ou transmitir o HIV. Isto acontece porque quando você ingere grande quantidade de álcool, a chance aumenta de você tomar decisões que o colocam em risco de contrair o HIV, como fazer sexo sem usar preservativo ou esquecer de tomar o medicamento para prevenir ou tratar o HIV. Além disso, as pessoas que injetam drogas correm o risco de contrair ou transmitir o HIV se compartilharem agulhas ou seringas 11.
Além disso, há uma série de fatores comportamentais que podem aumentar a chance de uma exposição ocorrer:
- Número de parceiros sexuais:
quanto maior o maior número de parceiros sexuais maior é a chance de exposição ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis 8. - Falta ou uso inconsistente do preservativo ou não uso de outras estratégias de prevenção como a PEP ou PrEP 8.
Embora a transmissão do HIV possa ocorrer em qualquer momento do processo da doença do HIV, o risco é maior na fase aguda – ou seja nos estágios da infecção, por exemplo, e mais tarde novamente durante a fase sintomática ou aids ou quando a pessoas tem a carga viral alta.
Referências:
1 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Epidemiológica. Boletim Epidemiológico. HIV/AIDS 2020. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-hivaids-2020
2 FIOCRUZ. HIV (AIDS): sintomas, transmissão e prevenção. 2018. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/sintomas-transmissao-e-prevencao-nat-hiv
3 BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. O que é HIV. 2021. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv
4 BARRÉ – SINOSI, F.; KARIM, S.S.A.; ALBERT, J.; BEKKER, L.G.; BEYRER, C.; CAHN, P. et al. Expert consensus statement on the science of HIV in the context of criminal low. J. Int. AIDS Soc. v.21, n.7, 2018. doi: 10.1002/jia2.25161. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30044059/
5 Rodger, A.J.; Cambiano, V.; Bruun, T.; Vernazza, P. Collins, S.; Degen, O. et al. Risk of HIV transmission through condomless sex in serodifferent gay couples with the HIV-positive partner taking suppressive antiretroviral therapy (PARTNER): final results of a multicentre, prospective, observational study. Lancet., v.15, n.393 (10189), p.2428-2438, 2019. doi: 10.1016/S0140-6736(19)30418-0. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)30418-0/fulltext
6 RAMOS, RAQUEL CONCEIÇÃO DE ALMEIDA. Práticas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis entre estudantes universitários. Texto contexto – enferm., v.29, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0006
7 CDC. HIV Transmission Topics. https://www.cdc.gov/hiv/basics/transmission.html
8 PATEL, P.; BORKOWF, C.B.; BROOKS, J.T.; LASRY, A.; LANSKY, A.; MERMIN, J. Estimating per-act HIV transmission risk: a systematic review. AIDS., v.19, n.28, p.1509-1519, 2014. doi: 10.1097/QAD.0000000000000298 Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6195215/
9 RHODES, J. W.; BOTTING, R.A.; BERTRAM, K.M.; VINE, E.E.; RANA, H.; BAHARLOU, H. et al.. Human anogenital monocyte-derived dendritic cells and langerin+cDC2 are major HIV target cells. Nature communications, v. 12, n. 2147, 2021. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41467-021-22375-x
10 GRAY, C. M.; O’HAGAN, K.L.; LORENZO-REDONDO, R.; OLIVIER, A. J.; AMU, S.; CHIGORIMBO-MUREFU, N. et al. Impact of chemokine C-C ligand 27, foreskin anatomy and sexually transmitted infections on HIV-1 target cell availability in adolescent South African males. Mucosal immunology, v. 13, n. 1, p. 118–127, 2020. https://doi.org/10.1038/s41385-019-0209-6 Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31619762/
11 BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Redução de danos. 2021. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv